Perplexidade e tristeza são os principais sentimentos que nos convocam a atual situação política do Brasil.
Os políticos bolsonaristas têm exposto reiteradamente, em público, atitudes de justificação da tortura e da execução arbitrária e indiferença afetiva para com as vítimas da ditadura ou da atual pandemia que assola o mundo e, de forma muito violenta, o Brasil. Prevalecem condutas de irracionalidade na abordagem à crise sanitária da pandemia, negando-se a gravidade do vírus, socorrendo-se de convições messiânicas e delirantes sobre medicamentos ou deuses salvadores, ou promovendo-se a proximidade social apesar do risco de infeção.
Num registo de funcionamento primitivo de cariz esquizo-paranóide, a humanidade do diferente, pela incapacidade de lidar com a dificuldade psicológica que comporta, é rejeitada e expulsa. À luz do público, transparece a incapacidade de comoção com o sofrimento de milhares de humanos num funcionamento emocional dissonante, pela impossibilidade da travessia de estados emocionais de angústia ou depressivos. Recusa-se a memória evocativa do passado e com ele entender o presente e construir o futuro, como patente na recente entrevista da secretária da cultura ao canal CNN Brasil. O presidente veio a público apoiar o seu comportamento tal como a maioria bolsonarista. Outros setores da sociedade se insurgiram e indignaram.
O cenário político brasileiro reporta-nos ao conceito de “banalidade do mal” tal como Hannah Arendt sustentou relativamente à ascensão de ideologias políticas totalitárias. Não a um nível macro e extremado como no nazismo mas na dimensão do funcionamento grupal fanatizado, fortemente identificado e subserviente ao seu líder e inatingível pela experiência e pelo argumento, num conformismo que parece ter destruído a sua capacidade de sentir e, portanto, de empatizar. Segundo Arendt, a banalidade do mal estaria ligada à ausência de pensamento de quem o pratica e ao colapso moral. Nas suas palavras, o mal espalhar-se-ia como um fungo porque é superficial, não requer pensamento mas a ausência deste.
Freud (1921) em “Psicologia de grupo e a análise do ego” mostra-nos a existência de uma tendência regressiva no funcionamento mental grupal. Nas massas, um funcionamento de ordem emocional inconsciente tende a recrudescer em detrimento do funcionamento consciente, diluindo a responsabilidade individual e a consciência moral dos seus membros. Quanto mais patológico for o grupo mais estes processos psíquicos grupais inconscientes tendem a prevalecer.
Configurações emocionais primitivas ou fenómenos de pressupostos base como designados por Bion (1959), tal como a dependência absoluta ao líder, contribuem para isentar a responsabilidade pessoal, delegando as decisões ao grupo ou ao líder, um representante da figura paterna ou materna a quem tendem a seguir sem restrições. De modo idêntico, a adesão a crenças coletivas inconscientes de caráter omnipotente e mágico afastadas dos dados da realidade, ou a crenças paranoides de inimigos externos geradoras de comportamentos de ataque-fuga, privam os sujeitos dos parâmetros internos que estabelecem a forma como se vêm a si mesmos, os outros e a realidade externa.
Estes fenómenos psicológicos próprios do grupo revelam a plasticidade e fluidez do aparelho psíquico, que é capaz de transitar do funcionamento mais estruturado e organizado que possibilita o exercício do pensamento racional e objetivo, para posições comandadas por uma afetividade mais arcaica. Presentes tanto nos regimes totalitários como nos democráticos, nos primeiros, a paranoiagenisis (Eliot Jaques, 1976) tende a ser incentivada pelo próprio poder, pois facilita a doutrinação ideológica e o controle social. Nas democracias mais avançadas, o clima político tende a não propiciar a sua formação, e sim a organização de grupos de trabalho constituídos por indivíduos atuantes e conscientes.
A nossa solidariedade para com o povo brasileiro.
Imagem: Teatro do Absurdo