A ruína faz parte do meu vocabulário do dia-a-dia.
É sempre diferente, única e autêntica.
Quando me aproximo, foco-me no ar inacabado de ruir, na resistência das pedras, das texturas ao sol, nos seres que da ruína se apropriam, árvores que se agarram à ruína agarrando-a. Há animais que a modelam e nela encontram sua morada.
A ruína tem sempre uma luz própria, algo de perene, e para mim é sempre uma transformação noutra coisa.
A ruína tem sempre um tempo passado, uma história para nos contar, na qual deixa pistas para a procurarmos e estudarmos como arqueólogos que vão escavando por camadas, parte a parte, redesenhando, reconstruindo a imagem do passado.
Quanto mais a olho, a procuro, mais intuo como intervir, sempre numa perspectiva de transformação, mesmo que seja para a estabilizar e assim ter outro uso.
É sempre um momento de corte temporal, entre o que foi e o que será.
Nela, procuro a sua linguagem, a proporção que a tornará particular na obra futura, crio um alfabeto com cada pedra, argamassa, madeira e todo o material que nela reste. Sugiro novas sombras às que ela transmite.
A memória invade-nos até à imobilização do corpo, quer seja a de uma família, de uma cidade ou de um país. Estudo-a até à exaustão para depois me libertar dela e como ela (a memória).
Urge a palavra «respeito», que se aprende com a idade da ruína e a do nosso corpo, diferentes, com a certeza de que a nossa é finita; e percebo que serei apenas um ponto que acrescento à história, numa perspectiva de continuidade da vida da ruína, como no ditado popular «Quem conta um conto, acrescenta um ponto».
A ruína sugere a sua «domesticação», pela afectividade nos olhos ternos do idoso, no toque das minhas mãos cansadas para sentir o pulsar das suas patologias, dos seus sofrimentos, como que um bicho doente que acalmo e trato, para voltar a pô-lo a caminhar, encontrar os mais novos e voltar a seduzir.
A ruína é sempre para mim uma história inacabada, não é algo hermético, mas, sim, um organismo em transformação.
No final, procuro a revitalização da vida como que uma obrigação instintiva, procuro a vida, buscando o lenço que deixou cair, para eu apanhar e dizer…
Olá!
E a história continua…