O crescimento da infância
O crescimento como uma coisa a evitar
pergunta-se quando é que perdeu o pé dessa infância que lhe permitia continuar.
Essa inocência que o olhava como um bem a preservar.
A infância pergunta-se quando é que ela se perdeu de nós
para querer voltar a nos dominar.
Quando é que a infância nos decidiu escravizar?
Pergunta a infância a si mesma sem a intervenção de um tutor.
Porque, se crescemos cada vez mais cedo,
porque é que largamos a infância tão tarde? Ou nunca?
Será que ao escravizarmos tanta gente acabámos
por deixar a infância toda para uns e nenhuma para outros?
Toda a infância a uns, todos os deveres a outros?
Terá sido assim que sucumbimos ao quero mais e mais
e do mais um e outro e do outra vez mais uma vez?
Só pode ser, só pode ser, será?
O crescimento económico disse à infância, fica fica,
e a infância diz-nos a nós, fica fica,
e nós dizemos ao crescimento económico, fica fica,
sem sequer percebermos
que foi ele quem nos mandou parar e sentar.
Isto porque já nem temos cabeça para reparar nestas coisas.
Crescer depressa é muito cansativo, todos sabemos:
comer, mais dormir, mais alteração de humores.
Sugar à infância toda a imaginação que nos permite
crescer para fora não para dentro,
braços pernas,
tudo para fora da cama,
tudo fora de si,
tudo a comprar calças novas todos os invernos,
tudo a agarrar o que pode com o enorme alcance dos seus membros desproporcionados.
Vamos não lidar com as responsabilidades que crescer acarreta
pelo chão,
e arrecada
com a força dos braços
e nos atira pesadamente às costas,
hérnias não!
Vamos deixar isso para as bonecas e os seus carrinhos de bebé.
Desde que continuemos a acreditar na possibilidade de crescimento económico
continuaremos a brincar à produtividade
até finalmente chegar a casa,
esse fim último
enquanto o tivermos.
Desde que sejamos produtivos para alguém,
não interessa quem,
vamos poder continuar
a nossa eterna adolescência.
Cansados, os poucos adultos perguntam-se,
quem é que foi estúpido ao ponto de querer ser adolescente
para sempre?
Só algum rapaz privilegiado
que teve a mãe e as criadas a esticar-lhe a infância.
Só pode ser.
Porque todos os outros,
perguntem às miúdas e aos pobres.
Soutiens apertados, ténis rotos.
Seremos todos esse rapaz?
Perguntamo-nos.
Seremos
parte dessa adolescência feita de tusa e ciúme?
Birras e pontapés, borbulhas e preguiça,
longa masturbação para curtos períodos de atenção,
a mãe a lavar a roupa
e nós a atirá-la
para o canto dos nossos quartos
chão sujo cheio de cotão?
Seremos nós parte dessa adolescência de membros longos e desajeitados,
cabeça pequena, baby face,
costas curvas por um pulo de 20cm num ano?
Pulo não acompanhado por músculo mas sim por horas sentados.
À nossa frente um computador que manda mais em nós
do que qualquer mãe, pai, patrão, líder, mister.
O computador que nos desafia a ficar mais um pouco,
a crescer sentado, a sonhar com uma rebeldia segura, virtual, sem consequências.
Sim porque a excitação neuronal não tem consequências, tudo nos acontece no movimento das sinapses, luzinhas a acender e a apagar, a apagar, a apagar.
A excitação neuronal veio finalmente substituir
aquela perturbadora necessidade de movimento que as crianças tinham antigamente.
Perturbante, verdade?
Agora nascem a pegar num babypad aos dois anos
para perceber que as coisas se mexem em vez de nós.
Tudo se mexe por nós,
todos se mexem por nós,
todos se mexem também contra nós
e mexem connosco.
Mas, mesmo assim, deixamo-nos crescer,
não o conseguimos evitar,
deitados sobre o tapete de atividades, pés e mãos à procura de um móbil,
o movimento sempre esteve acima de nós, nunca nas nossas mãos,
olhos espantados e sorriso involuntário,
reflexo motor, cheiro a gasolina
mas já nem reparamos, crescemos com ela,
e vamos deixá-la queimar em grandes labaredas para além das janelas dos nossos quartos.
Fotografia: Jorge Rolão Aguiar