VOCABULÁRIO DE EXPRESSÕES E IMPRESSÕES DA PELE
A
(À FLOR DA PELE) primeira fronteira, superfície na qual, antes de tudo, somos tocados pela existência do outro, contém-nos, sustenta-nos, delimita-nos e, paradoxalmente, abre-nos ao mundo. Matriz de um continente psíquico primitivo, invólucro que mantém unidas partes dispersas do self, quando falha a sua função, arriscamos perder-nos numa angústia sem forma. Vivemos à flor da pele quando habitamos o nosso corpo como se não existisse barreira entre o dentro e o fora, como se tudo nos atravessasse directa e intensamente o nervo desprotegido.
(À PELE) no limite.
(A PELE DOS AMANTES) como se o encontro com o Outro pudesse recriar o primeiro continente materno, os amantes confundem peles, dissolvem limites, perdem-se num estado em que os contornos da subjectividade se esbatem. Nesta experiência de intersubjetividade primitiva, a comunicação faz-se sem palavras, através de um fluxo em que dois partilham uma mesma pele simbólica. A fusão é efémera: o mesmo desejo que cria, ameaça a integridade do Eu. Sendo o retorno à individualidade inevitável, o amor e o desejo vivem nessa oscilação entre fusão e separação e a tentativa de prolongar o impossível força a continuidade da pele comum até à asfixia, à morte de cada um.
(ARRISCAR A PELE) viver. Passar ao acto?
C
(COR DA PELE) marca desde o nascimento a forma como um corpo é olhado, lido, categorizado. A pele como signo, como código que precede o sujeito e lhe impõe um lugar no mundo. No jogo cruel das hierarquias sociais e da transgeracionalidade, algumas peles são vistas como mais vulneráveis, mais sacrificáveis.
L
(LOBO EM PELE DE CORDEIRO) objeto paranoide, que se reveste de uma aparência enganadora, o Outro que esconde intenções persecutórias sob uma superfície inofensiva, que usa a pele como disfarce, como máscara, como engano. A angústia paranoide nasce dessa incerteza: o que há por debaixo da pele? O que esconde a superfície? Como se constrói a confiança na pele do outro e na nossa própria pele? Como sentir que a nossa pele nos pertence e que não vivemos debaixo da nossa pele como se habitássemos um corpo estranho? Como é que o nosso corpo é, por nós, verdadeiramente incorporado?
P
(PELE ATÓPICA) a que não tolera o ambiente, reage em excesso, inflama, que recusa ser apenas superfície e se torna sintoma de um Eu que não encontrou um continente seguro. Angústia precoce, cicatriz de feridas psíquicas que a linguagem ainda não consegue nomear. A que fala antes das palavras.
S
(SALVAR A PELE) pulsão de vida, impulso primário de sobrevivência, nem todas as peles são igualmente resgatáveis no grande naufrágio da (nossa) história.
(SEGUNDA PELE) estrutura artificial que substitui o continente psíquico original e pode constituir-se defensivamemte como carapaça excessiva e rígida, uma pele seca, sem porosidade, impossibilitada de trocas com o exterior, desvitalizada.
(SENTIR NA PELE) única forma verdadeira de compreender. A pele é o primeiro e o último território da experiência. Tudo o que nos acontece, acontece na pele, a pele regista, a pele guarda memórias. Não há nada que não tenha passado, de alguma forma, pela pele.
T
(TIPO DE PELE) pele oleosa, pele seca, pele mista. O excesso e a carência como dois opostos da mesma tensão. Quem tem pele seca procura hidratação, humidade, contacto. Quem tem pele oleosa sente que há algo em excesso, um transbordamento, uma saturação. A pele sempre equacionada em termos de equilíbrio e desregulação, como o próprio psiquismo. A pele nunca é neutra.
V
(VESTIR A PELE) pormo-nos na pele do Outro como tentativa de o compreender. Estar na pele de alguém é uma experiência de alteridade radical, mas pode representar um risco de anulação do Eu: é preciso encontrarmos o caminho de volta, para não nos perdermos numa pele que não é a nossa.
Fotografia: Jorge Rolão Aguiar