There’s someone in my head, but it’s not me.
Pink Floyd, «Brain Damage»(1973)
[Nota prévia: sugerimos que o consumo desta pequena porção de escrita seja feito com banda sonora dos Pink Floyd, música «Brain Damage», do álbum The Dark Side of the Moon. Três minutos e cinquenta segundos serão quanto baste para ler e a música é sublime, o que certamente compensa qualquer dissabor da leitura].
Quando pesquisamos incógnito no dicionário, rapidamente descobrimos as seguintes definições: «Não conhecido», «Que não se dá a conhecer», «Que não revela o seu nome», «Que não quer ser reconhecido», «Ignorado».
Ora, isto talvez sempre tenha interessado à Psicanálise. A cautela recomenda, no entanto, que questionemos se ainda interessa ou será um tema que perdeu interesse?
No início, certamente era um tema central da Psicanálise, o Inconsciente, esse que reside no centro do humano, que se revela nos pensamentos e nas acções, mas permanece sempre desconhecido e informe. O Incognoscível. Motor oculto, caldeirão fervilhante das pulsões, fantasma na máquina, mestre do desassossego, mas também ferida insuportável no narcisismo… Como pode existir dentro de nós algo que desconhecemos e nos comanda!
Talvez seja também uma das coisas mais disputadas nestes últimos 125 anos: de um lado, os fervorosos adeptos da Psicanálise, que tanto insistem na sua existência, insistência e primazia; por outro lado, os detractores negacionistas, que se escondem sobre os mais diversos véus. Os mais criativos destes últimos esforçam-se por esconder a coisa em si, trocando o termo inconsciente por substâncias como processos implícitos ou não-conscientes. São momentos de leitura divertidos quando podemos observar os malabarismos de uma escrita purificada pelo extremismo cognitivista. De facto, nada ultraja tanto o narcisismo omnisciente como o desconhecido que vem de dentro. O infinito, por muito atractivo que possa ser, também suscita temores e agonias inomináveis que convidam a defesas rígidas.
Que grande inquietação vem do incógnito.
A questão será sempre se a inquietação convida à investigação filobática ou ao retraimento ocnofílico. Qual é a resposta perante o medo da catástrofe? É uma vontade de descoberta do tantalizador futuro-passado ou o medo do traumático e impensável?
Por outro lado, será que ainda gostamos de sonhar? Será que ainda conseguimos sonhar? O inconsciente enquanto mestre arquitecto dos sonhos propõe uma dose nocturna de loucura, talvez transitória, mas o risco de essa loucura permanecer existe. Assim, até que ponto aceitamos também a insanidade no nosso interior mais profundo? É uma duplicidade… a pedra oculta no interior pode ser a pedra filosofal, fonte do conhecimento, ou a pedra da loucura, fonte do conhecimento que não conseguimos pensar.
Mas voltando à questão: que é isso de Inconsciente? Será um sítio na cabeça ou um lugar na alma? Uma característica do pensamento ou do sentir? Será a fonte das pulsões ou o depósito do reprimido? Tudo isto e ao mesmo tempo o incógnito. Por muito que invocado, é sempre desconhecido. Verdade última, realidade absoluta, sempre desconhecida.
Parece que anda sempre um estranho dentro da cabeça.
Será que assim o Inconsciente nega o livre-arbítrio? De algum modo, o determinismo psíquico possui uma ordem escondida onde o incógnito se revela e a misteriosa essência interna se manifesta.
Tenho mais perguntas do que respostas.
Fotografia: Jorge Rolão Aguiar