Que é uma coisa?
Esta é a pergunta originária da filosofia.
Não é a mais fundamental.
Mas na ordo cognoscendi, a primeira coisa que queremos saber é «que é uma coisa?» e «que é ser uma coisa?».
A pergunta é, pois, duas perguntas. Muitas perguntas: Que é ser? Que é existir? Que subjaz a tudo quanto é? Que é ou há ou existe?
Há objectos que perduram ou mudança constante?
Porquê a ilusão de existirem coisas quando uma coisa é sempre outra coisa qualquer, posto que muda?
Se há ou é ou existe alguma coisa, porquê? Se é ou há ou existe alguma coisa, quantas?
Se é ou há ou existe alguma coisa, como? Se há ou é ou existe alguma coisa, que a causou?
Muito antes de perguntarmos alguma coisa sobre o que é ser alguma coisa que vê e não é vista por si própria, as perguntas que fazemos são sobre as coisas que há; e, depois, sobre as coisas que inventamos sobre as coisas para responder a todas as perguntas sobre as coisas que são; e as coisas que inventamos sobre as coisas que inventamos sobre as coisas para responder às perguntas sobre as coisas que existem.
Só depois perguntamos o que é perguntar e quem pergunta.
Que coisa é a coisa que faz perguntas sobre coisas e inventa coisas sobre as coisas para responder às perguntas que faz sobre as coisas?
Que é fazer perguntas?
Que é fazer?
Que é inventar coisas?
Que são as coisas que inventamos?
Que é a murmuração de borboletas que sentimos na barriga quando perguntamos o que são as coisas que inventamos sobre as coisas que são?
De onde vêm as borboletas, como se sabe que é uma murmuração?
Que está dentro desta coisa que inventa coisas sobre as coisas que estão fora?
Que é estar dentro e estar fora?
É por sermos capazes de fazer perguntas sobre as coisas que somos capazes do angustiado susto inquieto medo ansioso que experimentamos lendo Lovecraft, quando nos conta a história da coisa no degrau da entrada.
A pergunta mais fundamental da filosofia é fácil de fazer.
Porquê o ser e não o nada?
Fotografia: Jorge Rolão Aguiar